19 de jul. de 2010

Escutatória by Rubem Alves lá das Minas Gerais.

"Sempre vejo anunciados cursos de Oratória. Nunca vi anunciado curso de Escutatória. Todo mundo quer aprender a falar, ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de Escutatória mais acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro que não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia. Parafraseio o Alberto Caeiro. Não é bastante ter ouvidor para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade...
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor. Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração. E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo somos os mais bonitos.
Os pianistas por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos. Pensamentos que ele julgava essenciais. São me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades:

Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você  terminasse sua (tola) fala. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer. Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência. E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras. No lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar-quem faz mergulho sabe- a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres de ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia. Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto. A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de sabermos ouvir os outros. A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto".

"Aquilo que o coração ama fica eterno".

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